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  • Foto do escritorDavi Simões

Ciência é interessante; conteúdo científico, não necessariamente

Dá uma tristeza muito grande procurar termos científicos em inglês e depois em português, basicamente em qualquer buscador. Tanto conteúdo bem embasado e interessante em inglês, tanto conteúdo de teor conspiracionista e desinformativo em português…

Fico feliz que tenhamos cada vez mais pessoas no Brasil se empenhando em divulgar ciência e fascinar outros pelo conhecimento. Ainda temos um longo caminho a percorrer.


É importante ressaltar que é uma via de mão dupla a ser percorrida. Há muito material bem embasado que ainda não recebe destaque porque o algoritmo dos buscadores privilegia aquilo que é mais acessado. Então não é só questão de falta de conteúdo, mas também falta de interesse.

Por outro lado, há muito conteúdo bem embasado que é apresentado de forma entediante ou exclusivamente técnica – o famoso “conteúdo educativo” (até quem gosta de conteúdo informativo já faz cara feia quando ouve esse nome). E tem muito conteúdo “desinformativo” que é muito bem produzido, e por isso atrai mais gente. Não é apenas questão de temática, mas também de apresentação.

Não estou aqui repetindo o mantra (fatigante) “precisamos nos adaptar às novas mídias”. Estou me direcionando aqui a meus colegas que já divulgam ciência na internet, via Youtube, Facebook, Twitter, Snapchat, sites, blogs e tudo mais (Tumblr? Deviant? Não sei, mas se ainda não tem, deveria). Obviamente, como eu produzo vídeos, os exemplos do texto se focarão neste tipo de conteúdo.


Ser informativo e bem embasado não é suficiente, é necessário ser atrativo. Não é preguiça de quem assiste, nem que conteúdo sensacionalista faça naturalmente mais sucesso: é questão de compreender como o ser humano funciona – a neurociência está aí pra mostrar que nem tudo é questão de mera vontade própria, e o que sabemos até então sobre o cérebro humano deve nos alertar pra isso.

Por muitas e muitas vezes eu já fiz e já ouvi a velha crítica de que sensacionalismo vende mais e que “o povo” só se interessa por histórias mirabolantes.

Mas já há algum tempo que essa crítica me incomoda. Não é porque o assunto é interessante que qualquer forma de expor esse assunto automaticamente mereça, de forma inata, a atenção de todos. Soa como aquela pessoa egocêntrica que odeia qualquer um que não queira ouvir todas as suas intermináveis opiniões a respeito de qualquer assunto. Ser ou não interessante está muito mais ligado à forma como a ideia é exposta do que à ideia em si.

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“Como assim as pessoas não querem ouvir meu interessantíssimo solilóquio de duas horas sobre as variadas nuances da enologia?”


Ciência é interessante. Conteúdo científico, não necessariamente. Cabe a nós, que somos fascinados por ciência, pensar em como passar adiante essa fascinação da melhor forma que podemos.

Eu me empenho como posso (e às vezes até como não posso) pra melhorar a qualidade dos meus vídeos, textos e tudo relacionado ao Primata Falante. Desde que comecei o canal, procurei melhorar minha dicção e entonação, busquei aprender a editar melhor (fiz até o curso do Gaveta), aprendi a compreender as métricas do Youtube, pesquisei (e ainda pesquiso constantemente) TUDO relacionado a todas as etapas de produção e divulgação de vídeos. Quando vejo bons resultados, estudo o que funcionou. Quando vejo resultados ruins, estudo aonde devo melhorar. Ainda preciso me aperfeiçoar muito, e espero futuramente ter uma agenda que me permita colocar em prática as ideias que tenho guardadas.

Tento aprender com outros canais de ciência, mas principalmente com canais de temáticas completamente distintas do conteúdo que produzo (incluindo aqui Nomegusta, Cocielo, PC Siqueira, Nostalgia e vários outros). Ao invés de prosseguirmos na velha lamentação “o povo só quer ver porcaria”, precisamos nos dar conta de que às vezes chamamos de porcaria conteúdos muito bem produzidos e que podem nos ensinar a melhorar nosso próprio trabalho.

Se você pensa assim, assista a um desses. Provavelmente em algum momento vai se pegar assistindo vários vídeos sem parar. Aconteceu várias vezes comigo (quem me acompanha no Twitter pode ter reparado minha maratona de Kéfera no dia que descobri o canal dela).

(Talvez você não vá gostar dos grandes canais de pseudociência, já que, conhecendo o assunto, vai ter úlceras ao longo dos vídeos. Mas, ainda nestes, a forma de apresentação pode oferecer insights muito úteis.)

No caso de vários destes canais, eu assisto todos os vídeos sem nem olhar título ou miniatura. Não assisto “porque vai abordar um assunto deveras interessante”: assisto porque “os vídeos desse canal são foda!” – destaque aqui pro VSauce, que pode fazer um vídeo de duas horas sobre o crescimento das unhas do bicho-preguiça que ainda assim vou assistir logo que for postado. Pra dar um exemplo não-científico, também assisto todos os vídeos do Cauê Moura.

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“and as always, THANKS for watching”


Nenhum deles exige ser reconhecido de forma inata como um “conteúdo que merece visualização”. Pelo contrário, muitos fazem um conteúdo único, alguns divertidos, alguns fascinantes, e muitos constantemente dão atenção e reconhecimento ao público que acompanha.

O sucesso destes canais não se deve a ter em mãos um assunto que todos deveriam querer conhecer, e sim à forma como produzem e conduzem seu trabalho, seja na produção dos vídeos, seja na relação com o público que assiste.

Os canais de ciência da gringa já estão dando um banho nesses quesitos (VSauce, Veritasium, Physics Girl, PBS Space-time, Braincraft, Minutephysics, CGP Grey, Smarter Every Day, Game Theorists/Film Theorists, SciShow / SciShow Space, etc. etc. etc., adicionem nos comentários se quiserem).

Se queremos a valorização do conteúdo científico e, consequentemente, a maior valorização da ciência no nosso país, cabe também a nós aprender. Já passou da hora de pararmos de nos apoiar nas muletas de “o Brasil odeia a ciência” e trabalhar de forma mais inteligente e ativa pra melhorar esse cenário.

Não somos automaticamente interessantes só porque falamos de ciência. Ciência é fascinante mas, como qualquer outro assunto, fica melhor ou pior dependendo de quanto empenho colocamos na apresentação que montamos. Trabalhemos então para fazer o nosso melhor.

 

ps: há muitos canais de ciência no Brasil que já estão num passo acelerado neste sentido, mas preferi não nomear por duas razões: 1 – certamente esqueceria de algum; 2 – comparativamente ao sucesso da divulgação científica dos canais estrangeiros que citei, ainda temos muito a progredir.

ps2: falei um pouco sobre isso no vídeo abaixo: 


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