Nos comentários do meu vídeo sobre suicídio e a campanha do Setembro Amarelo ficou muito clara a distância abismal que existe entre os fatos que acontecem na sociedade e alguns pensadores de internet que discutem esses fatos.
Vídeo em questão:
Algumas pessoas protestaram (inclusive me ofendendo de graça) falando sobre o suicídio como saída filosófica válida, que oferecer ajuda é piegas e meu vídeo é carola, que os cidadãos devem ter a liberdade individual de decidir sobre sua vida – tive inclusive que bloquear uma pessoa que postou formas de levar a cabo um suicídio. Ah, teve até quem me chamou de religioso bitolado. Imagino que na cabeça dessas pessoas um ateu (como eu) não pode valorizar a vida ou se preocupar com o sofrimento alheio.
Por outro lado, muitas outras pessoas comentaram que perderam familiares por conta disso, que quase recorreram ao suicídio em um momento mas felizmente encontraram apoio e hoje são gratas por isso, e ainda outras que estão precisando desse apoio atualmente e agradeceram pela iniciativa.
Isso mostra como alguns “pensadores” da internet não conhecem nem de longe os aspectos reais dos temas que discutem, nem se dão ao trabalho de conhecer os seres humanos envolvidos na realidade social sobre a qual querem tratar.
Tenho repetido feito matraca, mas é necessário: especular sobre temas sociais sem considerar a realidade envolvida nesses temas é uma masturbação mental que só serve pra exaltar egos nos pequenos grupos ideológicos da internet, mas não contribui em nada com a discussão – já que são especulações que não consideram as situações envolvidas de fato – e nem ajudam a encontrarmos saídas viáveis para os problemas discutidos.
É como quando ocorreu o estupro coletivo da jovem no RJ, que encheu as redes de discussões se o mais correto seria falar “relativização do estupro” ou falar “cultura do estupro”. Nessas mesmas discussões, ninguém se lembrou de abordar a realidade perturbadora enfrentada por uma mulher que passe por isso e precise ir numa delegacia relatar o ocorrido, talvez lidando com um policial que acha que mulher de roupa curta não se dá ao respeito; ou ainda, numa delegacia da mulher, criada para amenizar essa situação terrível, mas que os pensadores da internet discordam veementemente que deveria existir porque a lei Maria da Penha valoriza mais a vida da mulher que dos homens. Em quase tudo que li ou assisti sobre o tema, vi extensas discussões que tratavam a menina como um tópico, e não como um ser humano vítima de uma situação absurda e traumática.
A minha impressão é que estamos perdendo a capacidade de nos indignarmos com situações perturbadoras em nome de fornecer nossas opiniões da forma mais intelectual possível. A busca por uma discussão racional dos problemas da nossa sociedade tem levado um número crescente de pessoas a achar que tudo se resume a montar um quebra-cabeças lógico e oferecer um veredito sobre o assunto, independente das questões ilógicas e irracionais envolvidas quando o assunto é o ser humano, a psicologia humana, as estruturas sociais e os fenômenos antropológicos.
Nesse meu vídeo, minha intenção foi simples e direta: oferecer um auxílio a pessoas que estejam considerando tirar a própria vida por falta de apoio para lidar com algum problema. Tentei também esclarecer que a maioria dos casos de suicídio acontece por razões passageiras e que é urgente falarmos disso, considerando a quantidade grande e crescente de casos de suicídio no Brasil. Não quis esgotar a discussão sobre o suicídio e elaborar um discurso extenso sobre as nuances filosóficas, sociais, polítizzzzzzzzzzzzzzzz…
Ser um formador de opinião não te obriga a ser indiferente ao contexto social que te cerca. Quando me tornei divulgador científico e produtor de conteúdo informativo não assinei nenhum contrato me isentando de exercer um papel ativo em minha sociedade. Pelo contrário, tudo que produzo é porque quero uma sociedade melhor. No dia em que eu me privar de atuar em minha sociedade, em um assunto que considero relevante, apenas em nome de parecer isento, eu já não tenho mais razões pra produzir conteúdos.
Com isso não estou dizendo que devemos usar sentimentos como argumentos lógicos, nem estou dizendo que suicídio assistido não deveria ser um direito dos cidadãos. No meu vídeo eu não falei isso em nenhum momento. Estou apenas dizendo que questões sociais não são meramente lógicas e políticas, e que nossas análises racionais desses temas devem obrigatoriamente considerar também os pontos não racionais envolvidos nesses assuntos – como os casos de depressão não tratada, que são responsáveis pela maioria dos casos de suicídio. Tratar de um assunto de forma racional não te obriga a se dessensibilizar em relação às pessoas afetadas por essa discussão.
O suicídio é atualmente um caso de saúde pública no Brasil, mas há quem discuta como se fosse apenas uma questão de “liberdades individuais”, porque enxerga todo e qualquer problema de forma ingênua e unidirecional.
A eterna discussão das liberdades individuais e do direito de escolha, se tiver de fato alguma intenção de influenciar a sociedade no “mundo real”, deve se lembrar que o ser humano não é uma partícula esférica no vácuo, que não age apenas por motivações racionais, que age também por impulso e perde completamente o controle de suas atitudes em determinadas condições – inclusive por longos períodos de tempo, determinados, às vezes, por questões completamente fora de seu controle, como transtornos mentais e até doenças e medicamentos que podem alterar o comportamento e ofuscar o julgamento.
Quem conhece os conteúdos que produzo sabe que sou um grande entusiasta de usar ciência na discussão de diversos temas, incluindo os sociais e filosóficos. Mas eu tenho a plena consciência de que uma coisa são sistemas lineares com variáveis bem determinadas e equações simples a se aplicar; outra coisa são sistemas não-lineares, onde cada situação oferece resultados completamente diferentes. Ainda uma outra coisa são as sociedades humanas, onde nem tudo acontece de forma lógica e matemática, e onde há vidas que podem ser prejudicadas por conta de uma dedução precipitada.
Ser racional é uma coisa; ser simplório é outra. E se tem uma coisa que aprendi (inclusive no meu curso de Física) é que não podemos ser simplórios quando o assunto é complexo. Nem tudo pode ser resolvido com metáforas simples ou com o culto absoluto à liberdade do indivíduo – que parece ser hoje uma nova religião.
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