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  • Foto do escritorDavi Simões

Ocupações Estudantis e a Reação Conservadora

Métodos de tortura oficialmente autorizados por juiz contra jovens e adolescentes que se manifestam por uma causa. Já começam as notícias de polícia atirando contra manifestantes – o que já é de praxe no Brasil quando se coloca “educação” e “manifestação” na mesma frase. E uma galera batendo palma porque, no pequeno universo de alguns, o único papel do estudante é ir nas aulas e tirar nota boa (pra não falar dos que não podem conceber que o mundo real invada seu diário de presenças).

Tem estado na moda falar da “doutrinação esquerdista” que os professores de humanas supostamente faziam e fazem nos colégios, mas nota-se que a doutrinação que funcionou de fato nessa minha geração lamentável (tenho 29 anos) foi a utilitarista. E não foi feita por professores, mas por um estilo de vida rigidamente determinado pelo mercado, sua estrutura e suas tendências.

Uma criança é apenas um projeto de pessoa. Pode apanhar à vontade se quando crescer não se lembrar mais da dor. Pode receber apelidos pejorativos e ser perseguida diariamente no seu colégio, porque bullying é só uma palhaçada inventada pra dizer que os sentimentos de uma criança tem alguma importância (onde já se viu???). A criança só vira pessoa quando se torna adulta.

O adolescente, idem. É só um projeto de trabalhador. Seu papel é estudar e se preparar pra ser uma engrenagem funcional nessa grande máquina da sociedade, e as escolas são apenas a linha de montagem (vide projeto escola sem sentido). Discutir sobre a sociedade ou ensinar senso crítico não é papel da escola, é papel das novelas da globo e da internet.

Qualquer causa que um jovem abrace é sempre taxada como fruto de um adulto puxando a cordinha (quase sempre o coitado do professor), afinal, mudar a sociedade não é interesse ou papel desses pequenos alienados sem senso crítico, e sim de nós, sábios adultos de cabeça feita, incapazes de conversar dois minutos sobre política sem xingar a mãe do outro ou ter um ataque de nervos quando alguém diz “não é bem assim” (sendo o cético chato de quase todos os grupos sociais que já participei, eu aprendi a enxergar esses ataques de pelanca dobrando a esquina numa conversa – mas não se engane, de vez em quando dou os meus também).

Os únicos seres humanos com visões válidas e que devem ser respeitadas são aqueles que compartilham das nossas visões, nossas prioridades, nossa idade, nossos preconceitos e nosso modo superior de julgar como mimimi qualquer reivindicação que vá mexer na nossa marmita. Ocupações estudantis, manifestação de minorias, greve de professores, paralisação de bancários, protesto de motoristas; qualquer movimento que mexa na nossa rotina não é direito de protesto, e sim uma conspiração pra causar incômodos na nossa vida, visto que a sociedade, as pessoas e o mundo inteiro orbitam no nosso umbigo.

Aos que acham que “nossa geração tem uma casca mais dura”, preciso dizer que eu tenho uma vergonha desgraçada da mentalidade conformada e conservadora que observo diariamente na maior parte dos adultos dessa nossa geração. Sabemos teorizar e analisar com destreza todos os problemas da sociedade, mas viramos uma criança mimada quando lidar com esses problemas exige que a gente tire a bunda da cadeira, ou quando alguém pede pra mudarmos um pouco nossa rotina ou até nosso vocabulário racista e machista que “era normal nos anos 90”.

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“Geração mimimi! Agora tudo é preconceito! No meu tempo é que era bom! Se cale se cale se cale”


Agora, com os estudantes abraçando uma causa – seja porque lhes foi apresentada, seja por iniciativa própria, seja para dar suporte a seus amigos e colegas – a primeira resposta não é ouvir suas reivindicações e preocupações, mas sim atacar a credibilidade dos movimentos, os professores que apoiam, as notas baixas que eles tiram no resto do ano, o estilo de vida eufórico e irresponsável de um adolescente e qualquer outra coisa que possa desvincular seus protestos de uma causa justa e válida, ou diminuir seu papel em nossa sociedade.

A tendência atual de preferir vencer debates do que buscar compreender a situação e evitar as possíveis consequências futuras de não lutarmos hoje ataca novamente. É mais confortável deixar pra discutir e reclamar desses problemas no futuro do que atuar agora na prevenção deles.

Parabéns e boa sorte aos estudantes que estão se arriscando nas ocupações. Tenho um grande receio de como essas ocupações serão tratadas pelo governo atual e pela polícia (como já tem começado a acontecer), especialmente porque, no Brasil, protestos pela educação sempre foram recebidos com balas e bombas. Mas quem não se posiciona está fadado a ser carregado e empurrado pelos outros a vida inteira.

Preciso ser honesto: tudo indica que é uma causa perdida. Mas ninguém luta por causas que já foram vencidas. Não se espelhem em quem é conformado até na hora de brigar por causas que considera justas.

 

Sobre a tendência atual de preferir a vitória no debate à solução do problema, fiz este vídeo no canal – Gurus, Especialistas de Facebook e Sofistas Modernos


 
 

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