“Chegará um dia em que a tecnologia ultrapassará a interatividade humana, e o mundo terá uma geração de idiotas.”
Segundo o grupo de não-idiotas que certamente verifica as fontes de suas informações antes de compartilhar frases de moralismo no Facebook, essa citação seria de Albert Einstein.
Ela é tão verdadeira quanto as histórias de que Einstein era um aluno fraco quando jovem, que quando criança teria provado pro seu professor a existência de Deus através de uma comovente (e fisicamente incorreta) historinha de que frio é ausência de calor e escuro é ausência de luz, ou ainda que ele achava que a física quântica era uma bobagem e hoje os místicos estão provando que ele estava errado.
Qualquer um que admire Albert Einstein o suficiente pra conhecer suas contribuições para a física e também sua personalidade e visões de mundo reconhece sem embaraços o quanto essa citação não faz sentido.
É bem sabido que o físico alemão ganhou um prêmio Nobel em vida, mas muitos pensam que foi pela Teoria da Relatividade. Esse Nobel foi na verdade pela sua descrição do efeito fotoelétrico, uma das bases para o desenvolvimento da física quântica.
Mas pra não começar com o fisiquês – até porque tenho que honrar minha parte na geração de idiotas -, o que importa é que o efeito fotoelétrico foi descrito a partir dos estudos com laseres, bobinas, sensores e outros aparatos tecnológicos de ponta (à época). Da mesma forma, foram interferômetros (aparatos tecnológicos de alta precisão) que ajudaram na construção do segundo postulado da Relatividade Restrita (a invariância da velocidade da luz). A dilatação temporal proposta por Einstein só pôde ser testada experimentalmente graças a relógios atômicos, que são parte das tecnologias mais avançadas que temos até hoje (e também as impulsionam).
Em 1919, uma equipe de cientistas veio ao Brasil para testar um dos efeitos esperados da relatividade geral (deflexão da luz por um campo gravitacional forte), e encontraram uma das primeiras evidências que suportavam a Relatividade Geral de Einstein. Adivinhe com que tipo de instrumento eles puderam testar essa hipótese? (Dica: não foi com a interatividade humana.)
Já ouviu falar do gato de Schrödinger? Em uma das cartas que trocou com o físico* que dá nome a esse experimento mental, ele também propôs modificações a esse EXPERIMENTO DE IMAGINAÇÃO, a fim de tentar resolvê-lo (ah, essa geração de físicos Nobel, brincando de imaginação ao invés de trabalhar ou fazer sexo).
Aliás, experimentos de imaginação entraram na história da Física, em grande parte, devido ao físico alemão. Ele inclusive imortalizou o termo “GEDANKE” (ou “GEDANKENEXPERIMENT”), que é o termo alemão pra experimentos de imaginação – ou que ele inventou pra se referir a isso; não sei ao certo (Peço desculpas pela informação incompleta, mas lembre-se que sou parte de uma geração de idiotas que gasta tempo com seres imaginários – a que faz isso no celular em seu tempo livre; não confundir com aquela nobre e genial geração que faz isso em grandes templos religiosos toda semana).
Em qualquer biografia bem construída de Einstein você encontrará a informação de que ele adorava jogos, quebra-cabeças e desafios. Era o presente padrão pra se dar ao Nobel de Física – embora ele quase sempre resolvesse tudo muito rápido.
Quer citar algo que Einstein realmente odiava? Então coloque a foto dele em preto e branco com essa citação do livro “Como eu Vejo o Mundo” (do próprio Einstein):
“A pior das instituições gregárias se intitula exército. Eu o odeio. (…) Deveríamos fazer desaparecer o mais depressa possível este câncer da civilização. Detesto com todas as forças o heroísmo obrigatório, a violência gratuita e o nacionalismo débil”.
Essas sim são coisas que Einstein não só criticava, mas odiava: o exército, o patriotismo cego e a violência gratuita. Ande um pouco com a leitura e verá também sua crítica à ganância da sociedade. Alguns capítulos depois (Comunidade e Personalidade), você encontrará a seguinte afirmação:
“…Tenho de reconhecer nos dons materiais, intelectuais e morais da sociedade o papel excepcional, perpetuado por inúmeras gerações, de alguns homens criadores de gênio. Sim, um dia, um homem utiliza o fogo pela primeira vez; sim, um dia ele cultiva plantas alimentícias; sim, ele inventa a máquina a vapor”.
Quase dá vontade de acrescentar “sim, um dia ele inventa a realidade aumentada”. Mais adiante, no mesmo capítulo, ele fala de sua preocupação com o declínio da arte (pintura e música), e também critica a sociedade que ignora a falta de compromisso moral e ideológico de seus políticos (soa familiar?).
Se Albert Einstein estivesse vivo, pode apostar que teria um smartphone, provavelmente jogaria Kwazy Cupkakes (ou alguma variação real de Tetris, esse nome tirei de uma série que eu gosto muito) e, principalmente, estaria maravilhado com os grandes feitos de Pokémon Go: uma inovação tecnológica inacreditável, que simula objetos virtuais em um ambiente real, que reúne as pessoas nas ruas em uma brincadeira pacífica e está disponível para o mundo inteiro de forma gratuita. Isso resume boa parte de seu “sistema moral”.
Talvez ajudasse ele mesmo a sair mais de casa, já que existem hipóteses de que ele seria autista, portador da síndrome de Asperger. Não há como afirmar se Einstein de fato era parte desse grupo, mas sabemos de fato que Pokémon GO tem ajudado crianças com autismo a sair de casa (um caso, outro caso, uma lista de casos), pessoas com dificuldades sociais a encontrar novos amigos e até crianças hospitalizadas (ou leia aqui, em inglês), muitas já sem esperanças, a se divertir procurando bichos fofinhos, divertidos e inofensivos.
Obviamente não é um passatempo tão inteligente e criativo quanto acompanhar as novelas da Globo, se matar por conta do campeonato brasileiro, gastar duzentos reais numa noitada onde não é possível conversar com os amigos e que renderá vômitos e ressacas, perder o contato com amigos e família por conta de discussões políticas partidárias, ou ainda caçar animais reais e pendurar suas cabeças na parede.
Mas perdoem a nós, pobres coitados, que baixamos gratuitamente um app que nos fornece uma oportunidade de juntar um grupo de amigos e sair numa caçada pela cidade, na qual o único animal ferido será o ego dos conservadores e saudosistas, que sentem falta dos tempos em que diversão de verdade era __________________ (preencha aqui com algo que você fazia quando seu amigo rico não te chamava pra jogar vídeo game ou seu pai não te dava moedas pro fliperama).
Talvez um dia nós chegaremos a seu nível de intelectualidade superior, deixaremos de lado nossos smartphones e faremos o que quer que vocês considerem como diversão apropriada à época (esperem sentados). Até lá, tentem pensar se sua crítica não é muito mais reflexo de seu medo do desconhecido do que de fat PUTAQUEPARIU UM PIKACHU CORRE AQUI GALERA!!!!
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Sobre o papel das inovações tecnológicas, falei um pouco neste vídeo:
Já sobre o desenvolvimento da Relatividade, tem essa playlist completa de vídeos no canal (Entenda a Relatividade):
* – http://tocs.ulb.tu-darmstadt.de/9865120X.pdf – link pra um sumário do livro com a carta, não consegui encontrar o mesmo online.
– fonte da imagem do cabeçalho – https://www.tecstudio.com.br/wp-content/uploads/2016/07/pokemonGo.jpg
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