Foi publicado no dia 7 de novembro de 2016 um documento de 48 páginas produzido pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado que afirma que a PEC do Teto de Gastos (PEC55, antiga PEC241) é inconstitucional.
A avaliação de constitucionalidade tem o papel de analisar qualquer PEC, projeto de lei e outros do ponto de vista legal perante a Constituição. Um dos muitos papéis da Constituição é impedir que direitos universais e/ou individuais sejam violados através de medidas arbitrárias, jogos de poder, projetos irresponsáveis elaborados por pessoas (congressistas e legisladores em geral) que desconhecem o mínimo necessário de nossas leis, e tantas outras ameaças existentes em uma sociedade. Essa avaliação não é uma avaliação econômica, e sim jurídica, do ponto de vista legal. Não dá pra falar aqui de todos os papéis da constituição e de todas as etapas até uma lei entrar em vigor, até porque eu sei muito pouco e quem trabalha com isso estuda por anos de vida pra compreender. Aos juristas, advogados e estudantes de direito que me acompanham, fiquem à vontade pra complementar nos comentários e me corrigir em algum deslize.
Como qualquer outra lei, uma PEC também não pode ser inconstitucional. Ser inconstitucional não significa “não estar presente na constituição“, mas bater diretamente de frente com artigos presentes nela – e não apenas contra cláusulas pétreas (cláusulas que não podem ser alteradas). Nesse caso, não bastaria uma emenda, seria necessário que se alterasse os artigos já presentes na Constituição com os quais esse projeto bate de frente. Em todo caso, essa análise não é uma tarefa opcional e livre onde os legisladores vão escolher entre o projeto e a CR88 pra ver qual acham mais legal. A constituição está acima de qualquer projeto, logo, um projeto inconstitucional não pode receber caráter de lei.
A quem não leu a reportagem, ainda fica o acréscimo: no caso dessa PEC, a coisa é ainda mais grave, porque a análise indicou que essa PEC contraria exatamente cláusulas pétreas e também cria um desequilíbrio entre os três poderes – cede ao executivo (que inesperado!) um poder acima do que ele deveria ter. Isso, sozinho, deveria ser um sinal gigantesco acompanhado de um alarme sonoro pra todos nós.
Caso se defina que de fato a PEC55 é inconstitucional, então a economia brasileira está perdida? (li essa afirmação inúmeras vezes)
Obviamente não. Aliás, essa suposição revela um completo desconhecimento de qual a importância da Constituição num Estado de Direito. Eu enxergo isso como um reflexo de um sentimento crescente na internet de que qualquer coisa é válida em nome do mercado, e mais um sintoma de que precisamos com urgência incluir o estudo do Direito, ou ao menos da Constituição, no ensino fundamental e médio.
Restam várias alternativas, e eu que nem jurista ou economista sou consigo dizer várias sem pensar muito: rever o projeto e avaliar os pontos inconstitucionais (alternativa difícil, considerando a avaliação crítica do projeto); tentar medidas econômicas que não ataquem diretamente direitos básicos como saúde e educação; fazer a alocação de recursos durante o exercício atual sem tentar emendar a Constituição pra limitar os próximos governos (tanto faz se é 5 ou 20 anos) ou tornar lei as prioridades econômicas do governo atual; taxar fortunas; reduzir o gasto com auxílios infinitos e absurdos que temos com políticos no Brasil, que custam aos cofres públicos muito mais que auxílios sociais; fazer o controle de gastos sem apertar apenas o cinto da população pobre que depende de serviços públicos.
Restam um milhão de alternativas. O problema é que, pra variar, a discussão virou “PEC solução única salvadora da pátria” vs “PEC fim do mundo destruidora de famílias”. Aí o pessoal se esquece TANTO que é necessário o controle dos gastos QUANTO que é importante que o impacto desse controle não seja o aumento da desigualdade social e sucateamento da educação. Se políticos de alto escalão são incapazes de encontrar outras soluções que não uma PEC inconstitucional, nossa política está pior do que pensávamos.
Direito, economia e sociedade não são questões fechadas de certo e errado. O fato de que essa PEC gerou toda a comoção nacional que temos visto – até o Conselho Federal de Economia já se manifestou contrário a ela – indica que devemos pensar em soluções alternativas. Não podemos negar a existência do problema, mas também não podemos aceitar qualquer solução.
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